As metodologias ativas não são novidade na história da educação, mas ainda é difícil para a escola tradicional colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem. Integrar essa metodologia às tecnologias digitais é outro desafio, que fica ainda mais evidente em tempos de pandemia e aulas à distância. Buscando auxiliar o professor neste momento, o 2º webinar do prêmio Respostas Para o Amanhã discutiu caminhos para o uso de metodologias ativas e o trabalho por projetos no ensino remoto.
Transmitido no YouTube do Prêmio no dia 26/06, o evento contou com a participação de Lilian Bacich – doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano (USP) e coordenadora da pós-graduação em metodologias ativas no Instituto Singularidades – e Débora Garofalo, especialista em Língua Portuguesa (Unicamp) e gestora de Tecnologias do Centro de Mídias da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
As mediadoras do debate foram Isabel Costa, gerente de Cidadania Corporativa da Samsung, e Beatriz Cortese, gerente de Tecnologias Educacionais do Cenpec. O webinar faz parte de uma série de debates sobre tecnologia e educação e o próximo será realizado no dia 24/07, com transmissão no Youtube e participação de alunas ganhadoras de outras edições do prêmio.
“É preciso desenhar experiências, em que o aluno seja protagonista e se envolva realmente na construção do conhecimento, não só resolvendo uma tarefa ou fazendo algo que o professor pediu”, explica Lilian sobre essas metodologias. Ela ainda fala sobre a orientação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de que a aprendizagem, nas diferentes etapas da Educação Básica, seja ativa. “É preciso entender que esse processo só acontece quando o aluno se relaciona com os objetos de aprendizagem”, diz.
Componentes curriculares
“A BNCC aponta ainda competências gerais
que devem ser trabalhadas com os alunos, como o pensamento científico e
criativo”, conta Lilian Bacich (foto ao lado). Mas como desenvolver essas duas
habilidades num mesmo projeto? A abordagem STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e
Matemática) pode ser o caminho, unindo diferentes campos na busca por uma
solução para um problema real. “Esse conceito tem
evoluído e algumas autoras trazem a importância de colocar também a Arte, no
sentido amplo das humanidades e do design, transformando a sigla em STEAM e integrando essas
diversas áreas”, conta.
Lilian lembra que essa abordagem pode ser utilizada em diferentes metodologias, como a aprendizagem por projetos. “O STEM pode ajudar o aluno a identificar problemas que merecem um olhar mais aprofundado e, a partir deles, desenhar etapas de investigação que culminem com uma proposta de solução para um desafio real. Até chegar a essa resposta, os estudantes vão desenvolver uma série de competências, como define a BNCC”.
Robótica com sucata
Numa escola da periferia de São Paulo (SP), um projeto de
robótica com sucata integrou diversas áreas de conhecimento ao mesmo tempo que
trouxe uma solução para um problema dos alunos de
Débora Garofalo (foto ao lado). “A
escola se localizava entre quatro grandes favelas conhecidas pelo tráfico de drogas e
pela violência, mas na conversa com os alunos surgiram outros pontos, como a
questão do lixo, que mudou a rota do projeto. Em dias de chuva, o lixo na rua impedia
os estudantes de virem para a aula e trazia doenças como leptospirose e dengue.
Tínhamos duas saídas: lamentar pelo que não podíamos fazer ou
trabalhar, através do lixo, com o que eles precisavam aprender.”
Débora ressalta a importância de ouvir os alunos e estar aberto a desenvolver um projeto que faça sentido para eles e para sua comunidade, mobilizando-os e dando sentido ao que é estudado. “Fazíamos o recolhimento dos materiais, lavagem e separação do que ia ser usado em aula – o que não era aproveitado foi revendido para parceiros. Com exercícios de pensamento científico e criativo, buscamos criar protótipos com diversas funcionalidades, para levar à comunidade soluções de problemas como energia irregular”, conta. O trabalho ainda incluiu aulas públicas de sensibilização da comunidade sobre lixo e sustentabilidade e uma feira para compartilhar conhecimentos sobre o tema e os protótipos feitos a partir do lixo.
Entre os
resultados obtidos, a professora lista a retirada de mais de uma tonelada de lixo das ruas
em 3,5 anos, a contribuição do projeto para a redução da
evasão escolar, para o combate ao trabalho infantil na região e para o aumento
do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
“Sem falar no ganho socioemocional dos alunos. Esse trabalho ajudou-os a pensar em
projetos de vida e a ver que poderiam ser autores de sua história, entendendo que o
lugar onde nasceram não define o que eles podem ser na vida”, diz. O projeto
também se tornou uma política pública para ciência, tecnologia e
inovação na rede, com verba destinada em lei às escolas
municipais. (Ao lado: projeto Robótica com sucata, promovendo a
sustentabilidade. Foto: SME/Prefeitura de São Paulo)
Os resultados do trabalho foram reconhecido internacionalmente: Débora foi ganhou prêmios como o Professores do Brasil 2018, Aprendizagem Criativa do MIT (Massachusetts Institute of Technology) 2019 e foi finalista do Global Teacher Prize em 2019, sendo considerada uma das 10 melhores professoras do mundo.
Novos papéis para o/a docente
Débora conta que nesse processo viu seu papel como professora mudar: “Percebi que tinha a oportunidade de aprender junto com os estudantes. E também de ser honesta e poder dizer que não sabia alguma coisa de programação, por exemplo. Nosso papel é realmente o de mediar o conhecimento”.
Num depoimento em vídeo, o professor Juciano Teixeira, da Escola Ronaldo Caminha Barbosa, de Cascavel (CE), falou sobre seu trabalho com metodologias ativas e a mudança na sua prática docente. O projeto que ele desenvolveu com seus alunos em 2019 foi um dos vencedores do prêmio Respostas Para o Amanhã. Apesar disso, Juciano conta que no início resistia a esse formato de trabalho. “Na escola, percebi a mobilização dos alunos pelos projetos. Percebi que ajudavam na prática da sala de aula, no rendimento escolar e, principalmente, traziam mudanças para eles como seres humanos ao terem acesso a outras realidades”, diz. O professor conta que entendeu a importância de colocar os alunos no centro desse processo. “Hoje vejo também o quanto é importante o trabalho científico, porque muda vidas e nossa realidade”.
Débora lembra que as metodologias ativas podem ser abordadas de diferentes formas em sala de aula, como na aprendizagem por projetos, por resolução de problemas ou no formato sala de aula invertida, que consiste em antecipar fatos para os estudantes e, em aula, sanar as dúvidas e explorar o debate. Ela ressalta como essas metodologias podem combinar-se com o uso das tecnologias. “Exemplo disso é a cultura maker, do fazer, que utiliza a metodologia ativa para construir diante de um problema real. Além disso, ela pode trazer uma noção de pertencimento para os jovens, que realmente assumem a postura de centro da aprendizagem. O professor entra como parceiro e um mediador desse processo.”
Aprendizado em meio à pandemia
Também é importante não confundir aulas mediadas pela tecnologia com a adoção de metodologias ativas. “Passamos pelo desafio de transformar as aulas para o formato digital de forma compulsória, mas nem sempre o uso de tecnologias digitais garante que o ensino será criativo e inovador. Apenas entender a migração ao digital como uma transmissão de conteúdos pode levar a um retrocesso. É preciso propor maneiras para que os estudantes saiam da postura passiva em frente à tela e criem seus processos de aprendizagem”, orienta Lilian Bacich.
A especialista defende que as escolas que conseguirem dar um passo a mais em relação às tecnologias ativas vão ter ganho. “Todos tiveram que ir para o digital de alguma maneira, mas algumas instituições estão fazendo isso de um jeito mais ativo, não só colocando o aluno de frente para uma tela, mas dando oportunidade para que ele produza algo, conectado à tela ou longe dela”, completa.
Débora lembra que os diversos formatos de metodologias ativas também podem ser adaptados para o meio digital. “Na aula a distância, perdemos o contato olho no olho, mas podemos criar uma sala de aula invertida para ter o retorno dos estudantes e otimizar o tempo, por exemplo. Esse formato possibilita personalizar o ensino, orientar os alunos a serem autorais e ajuda o professor a desenvolver um trabalho mais dinâmico, propor reflexões, aguçar a inventividade. Na Secretaria de Educação, vemos professores com certo receio de trabalhar assim, mas também vemos outros se arriscando e falando que essa é a melhor maneira”.
Perguntas dos internautas
Se um professor não domina essas tecnologias, por onde ele deve
começar?
Lilian: Trabalhar com inovação pode parecer um desafio
distante para muitos professores. Mas esse processo seguirá uma curva de
aprendizagem, que começa com a exposição do docente às
experiências com tecnologias. Se você é professor, tente pôr a
mão na massa. Há uma série de tutoriais no site do prêmio RPA que
podem ajudar (veja dicas ao final desta reportagem). Na primeira exposição a
um novo recurso, a tendência é de utilizá-lo para substituir um outro,
trocar o vídeo pelo podcast, por exemplo. Depois desse momento, o professor
começa a fazer mudanças, até a hora em que consegue fazer
adaptações mais elaboradas e até inovar, juntar recursos diferentes...
E a aprendizagem seguirá segundo as necessidades de cada professor. Talvez ele
não precise de robótica, mas pode usar STEAM para solucionar problemas.
Aliando a fluência dos estudantes no meio digital aos conhecimentos formais dos
professores, eles podem chegar a um uso inovador dos recursos na
educação.
É importante haver formações continuadas para o professor com a
abordagem STEM?
Lilian: Sim,
é importante o professor experimentar essa abordagem no papel de aluno. Possibilitar
que o professor coloque a mão na massa pode gerar bons resultados. E vemos o quanto
os professores gostam de participar dessas formações. Não adianta
só dizer o que os professores devem fazer. Organizamos a formação
passando por todas as etapas até o professor desenvolver os protótipos e,
depois disso, como fazer seu plano de aula com essa abordagem. Ele fica mais tranquilo
porque já vivenciou o que é o STEM na vida real.
O que o professor deve considerar ao adotar as metodologias
ativas?
Débora: Deve
considerar o contexto em que o território está envolvido. Conhecer de fato sua
realidade e depois buscar casar essa questão com o currículo: onde ali tem
potencial pra usar metodologias ativas? E qual modelo pode ser explorado nesse contexto? Sem
esquecer dos estudantes, de ouvir o que eles buscam. Assim, ele pode trazer um pouco de
pertencimento e autoria para o trabalho. O professor não vai mais trazer as respostas
prontas, mas vai aguçar a curiosidade e o interesse dos estudantes na
construção disso.
Qual a diferença entre aprendizagem por projetos e
iniciação científica?
Lilian: Há similaridades e diferenças. No trabalho por
projetos, há um problema real ou próximo do real a ser respondido. Há
uma questão que mobiliza a busca de conhecimento e leva à
construção de um protótipo para responder essa questão. Esse
não é necessariamente o caminho da iniciação científica,
que às vezes é um estudo de caso, às vezes um estudo
bibliográfico, ou de investigação em diferentes formatos. Podemos fazer
um projeto de iniciação pensando na aprendizagem por projetos, mas não
é assim necessariamente. (Ao lado: desenvolvimento de biofilme a partir da
Psidium guajava para aplicações diversas, projeto vencedor na
6a edição do Respostas para o Amanhã.)
Como vencer a apatia dos alunos e engajá-los neste momento de
pandemia?
Débora:
Não há uma receita pronta, mas há formas para aguçar o interesse
dos estudantes: é importante escutá-los, deixar que tragam suas
questões, que falem sobre os temas. Este é um momento emergencial e manter o
diálogo e o acolhimento é fundamental. Para eles também é
difícil ter aulas a distância sem poder trocar com seus colegas.
Também é possível propor atividades que promovam a
interação virtual entre os estudantes.
Já inscreveu as ideias de seus estudantes para um amanhã
mais sustentável?
Falta um mês para o final das inscrições para o Prêmio Respostas para o Amanhã. Em sua 7ª edição, o programa busca incentivar os alunos a observarem seu entorno, os problemas locais e globais, e a pensarem em como transformar sua realidade por meio de projetos que envolvem Ciências da Natureza e da Matemática e suas Tecnologias. Podem participar professores das disciplinas relacionadas a essas áreas do conhecimento que lecionem no Ensino Médio em escolas públicas de todo o Brasil.
Os participantes contam com todo apoio para o desenvolvimento de
seus projetos, por meio de mentorias, oficinas e workshops sobre trabalho por projetos, metodologias ativas e abordagem STEM (do inglês,
Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Confira as novidades de premiação: agora os 100
primeiros projetos aptos às regras serão premiados com 1 Kit Arduino Samsung
para o Professor Orientador desenvolver projetos de robótica com os
estudantes! Além disso, as equipes
participantes concorrem a diversos prêmios, como smartphones, tablets, notebooks,
smart TVs e smartwatchs.
A inscrição pode ser feita pelo site ou pelo aplicativo gratuito desenvolvido pela Samsung, que dá acesso a informações sobre o programa e a materiais exclusivos sobre abordagem STEM. Dicas importantes para a inscrição das propostas de cada equipe podem ser acessadas neste vídeo tutorial.
Anote a data: as inscrições vão
até 10 de agosto. Outras
informações e o cronograma atualizado da premiação estão
disponíveis no site. Participe: estudantes, professorese escolas:
todos têm a ganhar.
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