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Diário de Bordo: que tal registrar mais do que o percurso técnico de um projeto?

Diário de Bordo: que tal registrar mais do que o percurso técnico de um projeto?

Flávia Siqueira
19/10/2021
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Mentoria da 8ª edição do Prêmio Solve for Tomorrow, da Samsung, convidou as equipes a documentar decisões, progressos e vivências.

O que Charles Darwin (1809-1882) e a 8ª edição do Prêmio Solve for Tomorrow têm em comum? Além do pensamento científico, a valorização da prática de registrar o trabalho de pesquisa para além das questões técnicas e teóricas.

Cerca de 20 anos antes de publicar A origem das espécies, Darwin embarcou para uma viagem de cinco anos pelo hemisfério sul. Suas percepções e aventuras foram registradas em um diário, publicado no Brasil com os títulos O diário do Beagle e A viagem do Beagle (em referência à embarcação na qual ele viajou, o H.M.S. Beagle). Hoje, esses escritos são considerados uma relíquia histórica, já que documentam as ideias e os acontecimentos que levaram o naturalista a elaborar a base da biologia evolutiva.

As atividades de mentoria da 8ª edição do Prêmio Respostas para o Amanhã – iniciativa brasileira do Solve for Tomorrow, programa global de cidadania corporativa da Samsung – incluem, pela primeira vez, a criação de um diário de bordo. Nele, os(as) estudantes das equipes semifinalistas e finalistas foram convidados(as) a registrar semanalmente o percurso do projeto durante a mentoria, das eventuais mudanças aos sentimentos do grupo. Os diários foram criados no Padlet, ferramenta que permite a construção de murais digitais colaborativos.

“Criamos o Diário de Bordo para incentivar as equipes a expressarem reflexões, descobertas e transformações vividas no percurso formativo da mentoria, seja por meio de textos ou imagens”, explica Juliana Gonçalves, técnica de projetos do Cenpec (instituição responsável pela coordenação do Prêmio). “Acreditamos que registrar descobertas, conquistas, dúvidas e frustrações é também uma forma de os estudantes pensarem sobre seus projetos de vida.”

Diário de Bordo criado no Padlet para as equipes semifinalistas do Prêmio: “Espaço para registrar a aventura de sua participação na mentoria da 8ª edição do Prêmio Respostas para o Amanhã. Usem a criatividade e explorem diferentes linguagens (imagens, fotos, textos, vídeos, etc). Boa jornada!”

Ciência humanizada
Em relação à produção científica, o diário funciona como um documento do processo e ajuda a embasar novas pesquisas a partir de experiências e reflexões anteriores. Os resultados da ciência e os produtos da tecnologia, no entanto, não existem separados do contexto em que foram criados – afetos, conflitos e a forma como interagimos têm sempre impacto sobre as escolhas que fazemos.

“Esta edição do Prêmio trouxe essa proposta de fazer os registros para além da evolução do protótipo e da metodologia. Abrir para essa dimensão humanizada traz uma perspectiva fantástica”, destaca a física e professora universitária Mônica Deyllot, que atuou como mentora de duas equipes semifinalistas ao longo do mês de setembro. “Nesse registro do caminhar, do que está acontecendo, descobrimos como a própria pesquisa vai tomando forma.”

Uma conclusão importante ao olhar para o Diário de Bordo, ressalta Mônica, é a de que a ciência não é neutra. “O trabalho de pesquisa não é alheio ao que ocorre ao redor dele.” O diário mostra, por exemplo, como a dificuldade de acesso à internet em uma cidade do interior do país pode afetar o andamento de um projeto. “Por meio desses registros, conseguimos enxergar uma realidade local que muitas vezes é desconhecida em outros cantos. Existem muitos ‘brasis’.”

Veja, a seguir, alguns exemplos dos registros feitos pelas equipes:

"Fizemos testes com lâminas de alumínio, que danificaram bastante o material. Notamos também que com o tempo o alumínio iria enferrujar e causar danos."

"Finalmente encontramos uma lâmina adequada. O nosso modelo prensa é feito de inox reaproveitado e em formato de anel. O material foi escolhido estrategicamente com a intenção de não haver ferrugem. Ficamos contentes ao ver que, nos testes de separação, não danificou o material."

Uma das equipes semifinalistas relatou, na semana 2, dificuldade para encontrar uma peça adequada para o protótipo: “deu tudo errado”. Na semana seguinte, o grupo encontrou a solução.

Olhar para o passado e para o futuro

Eduardo Dias, mestre em Arquitetura e Design e professor universitário, também responsável por orientar duas equipes semifinalistas da 8ª edição, conta que o trabalho de registro – visual, especialmente – é importante e corriqueiro nos projetos de Design. “Isso é muito útil para nos ajudar a entender um grande volume de informações e estabelecer conexões entre elas.”

O Diário de Bordo proposto pelo Prêmio, entretanto, vai além. “Ele conta o dia a dia e acaba mostrando como foi a história do projeto, os caminhos pelos quais as mentes passaram, as estratégias escolhidas”, avalia Eduardo. “Esses registros são a história do projeto e podem não só nos ajudar a entender aquele trabalho em específico, mas abrem possibilidades para novos projetos.” É possível, por exemplo, consultar os registros para relembrar e retomar uma linha de raciocínio que surgiu naquele contexto, mas que não foi a escolhida naquele momento.

"Na segunda semana de mentoria, o grupo aproveitou para tirar dúvidas com o nosso mentor sobre o formulário da semana. Aproveitamos também para absorver e analisar as informações trazidas no webinar sobre prototipagem para o nosso projeto, em que nos foi mostrado plataformas que poderiam ser usadas para a ilustração do nosso protótipo. Conversando com o nosso mentor, ele nos apresentou as duas plataformas que mais combinavam com o perfil do nosso projeto, que foram o Powtoon e o Tinkercad. O grupo depois testou as plataformas e concordou que a melhor opção para nós era o Powtoon, no qual fizemos um curto vídeo apresentando um pouco sobre a história de como tivemos a ideia do nosso projeto."

Um dos grupos semifinalistas relatou a escolha de uma ferramenta digital para o desenho do protótipo.

Visão de mundo: o exemplo de Faraday
Sob o ponto de vista da história da ciência, Mônica aponta também que conhecer o contexto e a visão de mundo do(a) cientista, muitas vezes registrada em diários e outros documentos históricos, mostra como e por que ele(a) optou por uma explicação em lugar de outra.

A religiosidade de Michael Faraday (1791-1867), por exemplo, nos ajuda a entender como ele elaborou e concebeu seus trabalhos sobre eletromagnetismo e eletroquímica: Faraday tinha um olhar propenso a acreditar no “invisível” – e muitos apontam que foi esse olhar que abriu caminho para que o cientista elaborasse a base para o conceito de campo eletromagnético.

Por que documentar
Juliana Gonçalves conta que, ao longo do processo de mentoria, os(as) estudantes são estimulados(as) a se apropriar do Diário de Bordo. Por meio do ambiente virtual de aprendizagem, foi apresentado a eles(as) um conjunto de razões para não deixar de fazer os registros no diário:

1) Manter os registros ajuda a tomar consciência do que você e sua equipe estão fazendo, e também a refletir sobre as possibilidades e os limites. Isso favorece alinhamentos e correções de rota durante a execução do projeto.
2) Ao final, será possível perceber o crescimento pessoal e coletivo, além da consistência e da autoria do percurso da equipe, e compartilhar essa evolução.
3) Anotar facilita a aprendizagem, na medida em que também aprendemos enquanto narramos.
4) Esse instrumento amplia o repertório sobre as possibilidades de avaliação da aprendizagem, por parte do(a) professor(a), e sobre como comunicar o progresso dos alunos.

"Hoje estamos muito felizes e realizados!!! O momento tão esperado chegou, hoje se encerra mais um ciclo de tantos outros que virão em nossa pesquisa. Entregamos todas as nossas atividades e afazeres do prêmio Respostas Para o Amanhã, na etapa dos semifinalistas. Mesmo com muita correria (ultimamente não tivemos mais tempo para quase nada), tem sido uma experiência incrível que vamos levar para o resto de nossas vidas. Temos o prazer de afirmar: somos curiosos no ramo da ciência, e isso para nós é incrível, somos pesquisadores juvenis!!!

Esse projeto trouxe para a equipe a vontade de querer sempre mais, de batalhar pelo que se quer, de ir atrás. Também nos fez ser mais humanos, ter mais empatia, pensar mais em "Eu posso estar bem, mas e a pessoa ao meu lado?", pensar em como podemos ajudar as pessoas.

Nos fez evoluir também, aprender muito, com conteúdos que vamos levar para o nosso currículo estudantil, como assuntos da matemática, sociologia, biologia, geografia, engenharia, tecnologias, física, entre tantos outros.

Conseguimos ter mais certeza e convicção do que queremos para o nosso futuro.

A sensação é de alívio, é de dever cumprido e é ótima. Apesar de sabermos que sempre daria para fazer mais, temos a certeza que demos tudo de nós, e é isso que importa.

Todos os objetivos propostos foram cumpridos e da melhor forma possível."

Um dos relatos mostra a inspiração da equipe para “pensar em como podemos ajudar as pessoas”.

Outras atividades
Em 2021, a mentoria da 8ª edição do Solve for Tomorrow foi composta por diferentes atividades on-line, síncronas e assíncronas – webinars, rodas de conversa, participação em fórum de discussão, encontros com mentores e voluntários da Samsung –, com temas diversos e direcionados ao aprimoramento dos projetos.

Mônica Deyllot aponta que todos – estudantes, professores(as) e mentores(as) – aprendem com essa experiência. “Como mentoras e mentores, acredito que nosso papel é contribuir com perguntas que ajudem o projeto a caminhar.” Nesse sentido, ressalta, é essencial ter em mente a identidade e o contexto local de cada projeto. “O objetivo é expandir as possibilidades, mas sempre considerando a identidade cultural, o local e o contexto de origem do problema investigado.”

“Um dos objetivos do Solve For Tomorrow é estimular a criatividade e a experimentação prática no desenvolvimento das soluções e ampliar as contribuições deste processo de aprendizagem. O Diário de Bordo, assim como as atividades de mentoria e rodas de conversa, tornam essa experiência cada vez mais humanizada, permitindo que os estudantes criem uma relação mais próxima com o campo da pesquisa e aprendam, na prática, como é o dia a dia de um profissional da ciência. Desde a primeira edição do programa no Brasil, em 2014, temos o propósito de contribuir para o desenvolvimento do potencial dos estudantes por meio da educação, e acreditamos que estamos no caminho certo para isso”, afirma Isabel Costa, Gerente de Cidadania Corporativa da Samsung Brasil.

Vejas as etapas e as próximas datas importantes da 8ª edição do Prêmio Respostas para o Amanhã.

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