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Aprendizagem por desafios: conectando pessoas e contextos

Aprendizagem por desafios: conectando pessoas e contextos

Edson Grandisoli
28/01/2019
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Aprendizagem por desafios: conectando pessoas e contextos.

 

Antes de entrarmos no tema abordado neste texto, gostaria de propor a você, leitor, um exercício. Pegue um papel e uma caneta e escreva três palavras que lhe vêm à cabeça quando ouve falar em sustentabilidade.

 

Escreveu?

 

Apesar de não podermos dialogar nesse momento pessoalmente, eu apostaria que algumas delas (talvez duas ou três) possuem relação direta com algum tipo de desafio ambiental, como economizar água, energia, realizar descarte seletivo, reciclar, reaproveitar, enfim, ações do dia a dia que podem colaborar na preservação dos recursos e do meio ambiente. Será que eu acertei?

 

A conexão entre sustentabilidade e os desafios ambientais está presente no imaginário da maioria das pessoas, incluindo nós, educadores e educadoras e, como resultado, ela influencia diretamente nos tipos de atividades e nas abordagens didáticas, que desenvolvemos na escola com nossos estudantes.

 

Só para dar um exemplo, foi publicado recentemente um artigo[1] que realizou uma análise muito interessante e importante sobre os trabalhos apresentados durante o XVI Encontro Paranaense de Educação Ambiental, em 2017. Um dos resultados que chama a atenção é que mais de 27% dos trabalhos foram classificados como Conservacionistas[2], ou seja, que possuem vinculação à chamada “pauta verde”.

 

Apesar do foco no meio ambiente ser natural entre os educadores (e não há nada de errado nisso), é fundamental lembrar que a busca pela sustentabilidade não passa somente pela conservação. Meio ambiente, sociedade, política, economia, cultura são elementos, ou critérios − como tratado pelo economista Ignacy Sachs[3] −, que formam um conjunto interligado e complexo, o qual deve caminhar sempre na direção da construção de sociedades mais sustentáveis.

 

O quanto e como nossos projetos consideram as interações entre essas dimensões?

Será que estamos formando cidadãos do presente e do futuro críticos e capazes de lidar com as incertezas?

Certamente essas são questões que fazem parte da vida e do dia a dia dos educadores e, muitas vezes, nos vemos impotentes frente a elas. E vale lembrar que não há caminho único ou resposta pronta para enfrentar esse desafio.

 

Da mesma forma que a vida imita a arte, a escola deve imitar a vida, e um dos possíveis caminhos para isso é ensinar e aprender por projetos.

 

Há muito tempo se fala sobre diferentes metodologias de aprendizagem ativa, baseadas em problemas ou em projetos. Há um extenso corpo de publicações que tratam das desvantagens e das muitas vantagens de se ensinar e aprender por projetos.

 

Apesar disso, gostaria de dar destaque a algumas qualidades dessas metodologias que são menos óbvias e, consequentemente, menos citadas.

 

  1. Aprender e agir com (e no) contexto: muitos projetos de sustentabilidade, em diversos casos, partem do olhar e do desejo de um único professor mais engajado com o tema. A escolha de um desafio deve ser coletiva, e não individual. A falta de reconhecimento sobre o desafio escolhido por parte da comunidade é o primeiro passo para o insucesso do projeto. Contexto e contextualização[4] são vitais na permanência e continuidade das ações.

 

  1. Envolver, engajar e responsabilizar: os projetos em sustentabilidade devem levar a comunidade desde um envolvimento passivo, passando por um engajamento que é eventual, até a responsabilização, no qual todos conhecem, acreditam no propósito das ações realizadas e se responsabilizam coletivamente por sua execução.

 

  1. Aprender, ensinar e agir em rede: a responsabilização só é alcançada quando as pessoas se reconhecem como parte de uma rede e uma de suas características vitais é a confiança. A sustentabilidade só existe se cada membro da rede sabe que os demais são tão responsáveis quanto ele/ela próprio(a). A criação de uma rede de confiança é base do trabalho com projetos em sustentabilidade e ela depende diretamente do próximo item.

 

  1. Comunicar, comunicar e comunicar: para ser sustentável é preciso que todos saibam o que está sendo feito e quais os resultados atingidos. Sem informação, o projeto e suas ações se isolam da comunidade e passam a ser um processo de um pequeno grupo que, mesmo sem intenção, acaba impondo sua visão de mundo aos demais.

 

  1. Horizontalizar e democratizar: a Aprendizagem Baseada em Desafios (ABD, como prefiro tratar), sendo contextualizada e, portanto, coletiva, deve promover uma maior horizontalização na relação entre os estudantes, professores, gestão e demais atores da comunidade escolar. Dessa forma, exercita-se diariamente a prática democrática, talvez uma das habilidades mais centrais a todas as sociedades que buscam ser mais sustentáveis.

 

Além dessas 5 qualidades, a ABD vai diretamente ao encontro do desenvolvimento das diferentes competências específicas para o século XXI[5], as quais são divididas em 3 grandes domínios: cognição, intrapessoal e interpessoal. Nessa direção, é muito interessante conhecer uma releitura mais recente realizada pela UNESCO Brasil (2015), que traz o tema das competências e habilidades dentro da perspectiva da construção de uma Educação para a Cidadania Global[6].

 

Talvez nesse ponto você esteja se perguntando: e quando eu dou aula? Trabalhar por desafios de forma alguma abre mão do conhecimento que, em última instância, está presente no currículo que devemos cumprir anualmente.

 

Não deixamos de ensinar, mas passamos a selecionar de forma mais assertiva em uma educação voltada para a vida e que faça sentido para nossos alunos e para nossa comunidade. A escola deve ser parte da comunidade, interagir com ela, aprender e ensinar na mesma medida.

 

Se você concorda com alguns desses pontos de vista, é preciso buscar parceiros de sonhos e realizações. Ousar dentro do possível (ou do impossível) e ressignificar nossa atuação não somente como educadores, mas como cidadãos.

 

  1. Se desejar, repita o exercício sugerido no início do texto e compare suas respostas...

 

 

Edson Grandisoli é consultor e avaliador do Prêmio Respostas para o Amanhã. Diretor educacional da Reconectta. Representante da Plataforma Sustentáculos. Biólogo, Mestre em Ecologia e Doutor em Educação para a Sustentabilidade (USP). Professor do ensino básico há 22 anos, palestrante e autor de obras didáticas e paradidáticas de Ciências e Biologia.

 

 

[1] Disponível em https://periodicos.furg.br/remea/article/view/7143

[2] Vale destacar que não foi possível classificar 40% dos trabalhos apresentados.

[3] SACHS, I. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

[4] Para ir além: https://educador.brasilescola.uol.com.br/trabalho-docente/contextualizacao.htm

[5] Para ir além: http://porvir.org/conheca-competencias-para-seculo-21/

[6] Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002343/234311por.pdf

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