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A mulher na Ciência – Entrevista com a astrofísica Patrícia Novais

A mulher na Ciência – Entrevista com a astrofísica Patrícia Novais

Vinicius Lima
12/11/2018
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Já parou para pensar quantas mulheres cientistas você conhece? Das criações e das teorias que estudou na escola, você já percebeu que a maioria dos nomes que estão escritos nos livros são de cientistas homens? Além disso, você sabia que três mulheres negras cientistas da NASA estavam trabalhando nos bastidores do primeiro voo de um homem norte americano para o espaço e que o primeiro algoritmo do mundo foi escrito por uma mulher, a Ada Lovelace?

O número de artigos científicos escrito por mulheres cresceu significativamente nos últimos anos no Brasil. Dados da pesquisa “Gender in The Global Reasearch Landscape” mostram que as publicações acadêmicas, principal método de avaliação dos pesquisadores, igualaram-se nos últimos 20 anos entre homens e mulheres.

No mês de outubro, aconteceu o Intercâmbio Científico-Cultural e a premiação da quinta edição do Prêmio “Respostas Para o Amanhã”. Três turmas vencedoras entre escolas públicas de todo Brasil vieram para São Paulo participar de uma programação rica em aprendizado e muito divertida. Um grupo de 80 alunos de Ensino Médio, em sua maioria meninas, visitou a Samsung, a Universidade de São Paulo e o Museu do Futebol, além de participar de palestras e oficinas.

Gabriela Fraga, aluna do Instituto Federal do Rio Grande do Sul em Osório, pensa em seguir na carreira acadêmica e diz que “existe muito preconceito quando você é mulher e quer ser pesquisadora, mas eu tenho muita sorte porque na minha sala 90% é menina e aí vejo que não estou sozinha”.

Segundo a pesquisadora do Laboratório de Ciências Integráveis da Escola Politécnica USP, Irene Ficheman, “a presença da mulher na ciência é fundamental”, e completa, “Então, para esse número aumentar, temos que criar modelos para as meninas terem uma referência e acreditarem no potencial delas”.

No evento de premiação, essas futuras cientistas foram presenteadas com uma palestra da astrofísica Patrícia Novais que as inspirou através de sua história. Patrícia enfrentou preconceitos por ser mulher na ciência, mas diz para essas meninas que querem ser cientistas, “vocês não estão sozinhas, procurem um apoio e estudem”. A entrevista na íntegra com a Patrícia, você pode ler a seguir:

 

CENPEC: Patrícia, você poderia, por favor, começar se apresentando?
Patrícia: Meu nome é Patrícia Novais. Eu sou física e astrofísica. Trabalho no instituto de astronomia e geofísica da USP, estou terminando meu doutorado agora. Na verdade, em menos de 20 dias, vou defender meu doutorado e, se tudo der certo, vou ser doutora (risos). Atualmente, também trabalho com ciência de dados que é uma outra área bem bacana e que tem crescido bastante, tem sido desafiador.

Além da ciência, trabalho em vários projetos como professora e como divulgadora de ciência.  Eu acho bastante importante que a gente leve a ciência pra todas as camadas e que ela não fique só no mundo acadêmico, mas que a gente desça da “torre de marfim” e entre em contato com o dia a dia das pessoas para levar esse conhecimento.

Então, hoje eu trabalho com tudo isso, astrofísica mais na academia, mas também com divulgação cientifica e como professora.

 

C: Qual você acha que é a importância de um evento como esse e dessa viagem na vida desses adolescentes?

P: Eu acompanhei pelo Instagram as atividades deles e tenho pirado porque eu via e ficava pensando “se eu tivesse essa experiência quando eu era adolescente teria sido incrível” porque é o tipo de situação que você tira o aluno da carteira da escola, tira a física da lousa, a biologia do livro e você vai para a vida real. Você vai ser um agente da ciência, você vai criar, você vai testar e ver todos aqueles conceitos, né?

Então eu acho extremamente importante porque a gente coloca o aluno como protagonista da própria vida. Além disso, para alunos que tem uma realidade totalmente diferente de São Paulo que é essa loucura, eu imagino que vir para cá é uma experiência muito bacana porque você entra em contato com coisas que, na minha adolescência, eu jamais pensaria.

Então, a gente consegue mostrar para esses alunos que eles podem mais, eles conseguem mais e eles tem direito a muito mais! O ponto mais importante do projeto é que eles comecem a se despertar e comecem a se tornar protagonistas das próprias vidas.

 

C: E agora, falando de você... Como que foi a sua história com a ciência?

P: Eu vim de escola pública, também. Então, por isso, eu tenho uma identificação muito grande com esses meninos e meninas.

Meu pai e minha mãe não tem formação. Minha mãe tem a primeira série e meu pai tem a quarta série, mas ambos sempre gostaram muito da natureza. Então minha mãe, por exemplo, é apaixonada por plantas e tem um conhecimento amplo sobre isso. Meu pai sempre gostou muito da lógica, das contas, da matemática do dia a dia. Então, desde pequeno sempre tivemos muito contato com tudo isso.

Quando eu era criança, lembro muito bem disso, eu subia na laje com meu pai, colocava um colchãozinho lá e a gente ficava observando as estrelas. Eu acredito que dali comecei a me interessar muito mais pela física, pela astronomia. Eu sempre tive um perfil mais de exatas, sempre gostei muito de matemática e física, então esse interesse veio naturalmente na minha vida.

No Ensino Médio, tive uma professora de física que sempre me apoiou muito e me ajudou a chegar na universidade que era uma ideia completamente irreal na época porque no começo dos anos 2000 pobre nem podia pensar nisso. Então eu entrei na física e tive que estudar o dobro, por vir de escola pública. Sempre quis me envolver com educação, então eu era monitora e voluntária de vários projetos. Também quis me envolver com a pesquisa logo cedo e já desenvolvi uma iniciação cientifica.

Então, é engraçado, às vezes tenho a impressão que não foi eu que escolhi a ciência, foi ela que me escolheu porque sempre que me desvio desse caminho, a ciência me traz de volta.

 

C: Como você vê o papel da mulher na ciência e o que é o mais difícil de ser mulher e fazer ciência?

P: A mulher na ciência tem um papel bastante difícil porque o número de homens e mulheres é realmente muito desproporcional. Para você ter um exemplo, hoje participei de um evento que deve ter tido umas 13, 14 palestras e só duas mulheres apresentaram.

Então, você ser uma mulher e ir lá na frente falar para vários homens é desafiador.

Na astronomia é até bem confortável, é quase 50/50 no começo, mas conforme vai avançando, a gente vai abrindo mão de muita coisa por questão da maternidade e de outras coisas que aparecem na vida das mulheres. Então, essas poucas mulheres, tem que fazer duas ou três vezes mais para se destacar no meio da ciência. A gente se cobra muito mais porque estamos num meio totalmente masculinizado, então só fazer o “comum” não convence. Por isso temos um alto indicie de stress entre as mulheres da ciência, por exemplo.

Mas eu acredito que isso vai mudar, mesmo que aos poucos. Eu participo de grupos de empoderamento feminino na tecnologia como o Pyladies, por exemplo, que é um grupo de mulheres que ensina outras mulheres a programar em Python e, aos poucos eu começo a perceber que as mulheres estão se organizando em comunidades e em grupos de apoio. Isso é essencial para o crescimento e para o fortalecimento.

 

C: Como era quando você começou?

P: Quando fiz a graduação, lembro de diversas vezes olhar para trás e ver que eu era a única mulher numa sala de 50 pessoas, por exemplo. Hoje, percebo que está aumentando bem devagar, mas está aumentando.

A nova geração já é bem mais empoderada e tem uma consciência muito maior do que eu tinha na juventude. Parte disso é porque elas têm mais referências. Quando eu era criança, eu não tinha nenhuma cientista na minha família, por exemplo. Hoje, se minha sobrinha quiser ser cientista, ela pode olhar para mim.

A referência é muito importante. Como dizia a Sally Ride, astronauta norte-americana, “dificilmente a gente quer ser o que nunca viu”. Então, cada vez mais, quanto mais mulheres estiverem na ciência, mais igual fica o cenário. Para isso, além de políticas que promovem a ampliação do número de mulheres na ciência, a gente precisa de uma mudança de mentalidade para uma mentalidade que acolha a mulher porque não adianta nada a mulher chegar na academia e não encontrar um ambiente acolhedor.

Muitas vezes, ouvimos coisas como “se você quer ser uma boa cientista, você tem que agir como um homem”. Então, tem que abrir um espaço para mulher e tem que ter um ambiente mais acolhedor porque só assim a gente passa a entender, por exemplo, aquela menina que tem vergonha de falar na escola. Afinal, a mulher está lá porque merece e porque sabe trabalhar. Ela conquistou aquilo.

 

C: Onde você vê esse machismo na ciência que, às vezes, não é explícito?

P: Olha, por exemplo, quando um homem vai dar uma palestra, no final todo mundo vai falar com ele para o elogiar, trocar contatos e tal. Quando uma mulher vai dar uma palestra, é muito comum as pessoas irem querer testar o que ela está falando, como se ela não soubesse sobre o assunto que ela falou. Então você vê que nos níveis mais altos, entre mestres e doutores, existe muita coisa subentendida, não é algo tão explicito, como um homem chegar e te falar “você não presta para isso”. Essas falas são mais comuns numa graduação, por exemplo, por professores e outros alunos com as mulheres.

Conforme entramos no mundo da academia, esse preconceito é velado, em falas como “você é tão bonita, porque você está na ciência?” ou em avaliações de nota.

O preconceito também fica evidente quando a cientista quer virar mãe. Quando ela tem um filho, ela tira seis meses de licença e quando ela volta, é impossível ter o mesmo nível de produtividade que tinha antes e a ciência não está preparada para isso. A ciência quer que ela volte, atualizada e publicando mil artigos por dia, enquanto amamenta, troca fralda e cuida da criança. Mesmo que tenhamos um ambiente acolhedor em casa, com um marido que também colabora, tem coisas que só as mulheres conseguem fazer e isso afeta a produtividade.

A academia ainda está começando a pensar na mulher cientista. A impressão que dá é que, se você quer ser uma cientista de sucesso, você vai ter que ser só cientista. O homem não, ele pode ser pai, pode ter uma família e ser cientista.

A ciência no Brasil é financiada, principalmente, pelas agências de fomento. Aí se nossa produtividade cientifica é comprometida, a gente não consegue esses incentivos. Então é uma bola de neve.

 

C: Qual conselho você daria para uma menina que quer ser cientista?

P: Eu diria que vai ser muito difícil, mas que ela vai conseguir. Diria para ela ser forte e enfrentar todas as probabilidades porque os números dizem que não vamos ser cientistas, mas vamos. Acho super importante ela encontrar mulheres que estão próximas dela, passando pela mesma situação que ela e buscar pessoas que acrescentem. Estude muito, empodere-se através do conhecimento e entenda que você não está sozinha.

 

C: O que você acha dos três projetos premiados?

P: Existe uma filosofia do punk que diz o seguinte “primeiro conheça sua casa, depois conheça seu bairro, conheça sua cidade, depois seu estado, depois seu país e por aí vai” – Então, acho muito legal que não jogaram na mão desses adolescentes a responsabilidade de mudar o mundo, pediram para eles se empoderarem do seu território e pensarem uma solução para um problema da sua comunidade. Aí, depois que o aluno vê que o projeto dele funciona e que ele pode ajudar a comunidade dele, isso é transformador porque o aluno não passa a mudar só o pensamento dele. O pai dele vê que isso dá resultado, o professor, a mãe, aí inspira o irmãozinho mais novo. Isso gera vários resultados.

 

C: Como eles podem ser resposta para o amanhã?

P: Essa apropriação da comunidade já é uma resposta para o amanhã. A transformação não começa hoje e termina amanhã. É um processo. O verdadeiro prêmio não vão receber hoje, vão receber daqui uns anos, quando verem que a ideia deles mudou a vida de pessoas e inspirou pessoas.

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